Com cultivo nacional, custo de produção da matéria-prima pode cair de 30% a 40%, segundo cálculo da Abiquifi

Em votação apertada, 17 votos a favor e 17 contra, e voto de minerva realizado pelo relator do texto, deputado Luciano Ducci (PSB-PR), a comissão da Câmara dos Deputados que discute medicamentos formulados com Cannabis aprovou o substitutivo ao PL 399/2015. O texto autoriza o cultivo da Cannabis sativa no Brasil exclusivamente para fins medicinais, veterinários, científicos e industriais.

Com o plantio nacional, o custo dos insumos usados para produção de medicamentos à base da planta pode ser reduzido de 30% a 40%. O cálculo foi feito por um grupo técnico coordenado pela Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (Abiquifi) e obtido pelo JOTA

O valor é referente à matéria-prima chamada “espectro completo” com prevalência de CBD ou de THC atualmente importada para produzir fitoterápicos. No caso da produção de fitofármacos com a molécula isolada de CBD, a redução de custo pode ser de 50% a 60%. 

A estimativa é apenas para produtos medicinais e nos moldes de produção descritos no projeto de lei, com cultivo indoor para essa categoria. Fica de fora dos cálculos suplementos ou cosméticos que podem ser feitos a partir do cânhamo industrial. Isso porque as exigências regulatórias de produção de medicamentos são mais rígidas. 

A análise foi feita por técnicos da Abiquifi, em conjunto com uma companhia associada produtora de ingredientes farmacêuticos ativos de origem vegetal e com a Sustentec, empresa especializada em cultivo de plantas medicinais. Os dados levam em conta o custo de produtos importados que atendem as atuais especificações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

“A gente fez levantamentos de estimativa de custo de cultivo, uso de câmera de segurança e todas adequações que estão no projeto. Inclui os processos tradicionais da indústria de insumos farmacêuticos de origem vegetal, como o processo de secagem. Tem um cálculo de estimativa de retorno de pesquisa e investimento nesse processo produtivo”, afirmou Carolina Sellani, coordenadora do grupo de trabalho de insumos de Cannabis da Abiquifi, ao JOTA.

Fatores como a diferença cambial e o clima contribuem para essa redução de custo no cultivo nacional. Países com temperaturas mais frias, como Canadá e Suíça, precisam fazer um controle de incidência de luz e temperatura dentro da casa de vegetação. “No Brasil, com temperaturas entre 27ºC e 30º C essa não seria uma preocupação”, afirmou Sellani.

Conservadores resistem à proposta

O texto tramita em caráter terminativo —  de modo que deveria seguir direto para o Senado —, mas a matéria provavelmente precisará ser votada no plenário da Câmara. Isso porque parlamentares que compõem a bancada conservadora vão pedir, através de um recurso, que o texto seja analisado por todos os seus pares da Casa.

O tema causa bastante resistência na base parlamentar mais conservadora da Câmara. A votação do relatório de Ducci foi adiada duas vezes.Na reunião do dia (18/05) o presidente da Comissão, deputado Paulo Teixeira (PT-SP), chegou a ser agredido pelo deputado Diego Garcia (PODE-PR). 

Bancadas conservadoras fizeram o possível para derrubar o texto na comissão especial, inclusive trocando membros da composição original. Por isso, o substitutivo foi aprovado com um placar tão apertado.

Proposta não permite plantio individual

O relator ampliou as previsões do texto original, do deputado Fábio Mitidieri (PSD-SE), que alterava o art. 2º da Lei nº 11.343, para viabilizar a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta em sua formulação, desde que “exista comprovação de sua eficácia terapêutica, devidamente atestada mediante laudo médico para todos os casos de indicação de seu uso”.

O substitutivo prevê que a União poderá autorizar o plantio, a cultura e a colheita da planta para fins medicinais, uso em pesquisas científicas e na indústria, incluindo produção de cosméticos, de suplementos alimentares e de produtos veterinários. O texto também permite que associações de pacientes sem fins lucrativos possam cultivar e processar a planta para elaboração de produtos manipulados ou fitoterápicos para os associados. 

De acordo com a proposta, a importação e a exportação de sementes, da planta ou de suas partes e de seus derivados, insumos e produtos de Cannabis fica liberada a pessoas jurídicas, exclusivamente para fins medicinais ou industriais.

O texto veda a produção e a comercialização de produtos fumígenos, assim como chás medicinais ou outras mercadorias na forma vegetal da planta, incluindo sementes.

As autorizações de cultivo de Cannabis medicinal serão concedidas por órgão sanitário federal. No caso de plantas destinadas à elaboração de produtos de uso veterinário e do cânhamo industrial, caberá a órgão agrícola federal. Também será necessária autorização desses órgãos para venda de produtos em farmácias de manipulação e fitoterápicos. 

O texto prevê mecanismos de rastreabilidade da produção, desde a aquisição da semente até o processamento final e o seu descarte e elaboração de um plano de segurança para a prevenção de desvios.

As plantas de Cannabis destinadas ao uso medicinal serão classificadas como psicoativas (com teor de THC superior a 1%), e como não-psicoativas (com teor de THC igual ou inferior a 1%). Já o cânhamo industrial é a variedade da planta sem ação psicoativa, com teor de THC limitado até 0,3% (três décimos por cento).

Em 2019, a Anvisa aprovou a RDC 327, que permite a comercialização de produtos à base de maconha em farmácias, mas rejeitou proposta que permitia o cultivo da planta para fins medicinais. 

Mercado brasileiro da Cannabis medicinal

Ainda não há estimativas de quanto esse setor poderia movimentar no país, mas alguns dados indicam potencial de crescimento desse mercado. A Anvisa já concedeu autorização de importação para mais de 26 mil pacientes. Já a Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace) conta com 14 mil pacientes.  

A Associação Brasileira das Indústrias de canabinoides (BRCANN), estima que o mercado de Cannabis medicinal tenha movimentado de R$ 100 a 150 milhões em 2020. Outra referência são dados das consultorias The Green Hub e New Frontier Data, de acordo com os quais o mercado brasileiro tem potencial de chegar a R$ 4,7 bilhões de reais anuais em três anos, com a flexibilização da legislação.

Na avaliação de Carolina Sellani, da Abiquifi, a redução do custo com a possibilidade do cultivo nacional poderá atrair a indústria farmacêutica em geral e há algumas empresas já interessadas na  produção verticalizada. “Tem muita gente procurando e é uma demanda cada vez mais crescente porque quanto mais se fala, mais as pessoa conhecem sobre o assunto e vão atrás de uma solução para um comorbidade que até agora não tinha achado nenhuma solução terapêutica que funcione. Essa tendência dos pacientes é crescente nos últimos anos”, afirmou.

A Anvisa já concedeu quatro pedidos de autorização de comercialização de produtos medicinais feitos a partir da planta, das empresas Prati Donaduzzi, Nunature (duas solicitações concedidas) e da Fiocruz. Outros 9 pedidos estão sob análise, incluindo dois feitos na última semana pela Greencare Pharma e pela Verdemed.

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