Por Fernando de Rezende Francisco e Norberto Prestes
Segurança jurídica e previsibilidade são as bases fundamentais para o desenvolvimento sustentável da indústria de insumos farmacêuticos instalada no país, independente da sua origem de capital. Premissas para atrair investimentos a um setor que investe cifras volumosas em novas moléculas, IFAs e fármacos, para fomentar a inovação e incrementar o acesso da população brasileira a medicamentos, terapias e tratamentos que podem salvar vidas.
E é exatamente nessa onda de segurança jurídica que surfa a regulamentação da Lei nº 14.874, de 28 de maio de 2024, que moderniza o marco regulatório brasileiro no que tange à pesquisa com seres humanos e institui o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, garantindo previsibilidade, prazos definidos para aprovação e segurança para todos os envolvidos, especialmente aos participantes de pesquisas.
De acordo com pesquisa realizada pela Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), em parceria com a IQVIA, a Lei da Pesquisa com Seres Humanos poderá gerar à economia brasileira um impulso anual de R$ 6,3 bilhões, a criação de 56 mil empregos qualificados por ano, além de beneficiar diretamente cerca de 286 mil pacientes.
Neste campo fértil de consolidação de um ambiente regulatório previsível e aceleração de prazos de análise regulatória, o país terá a possibilidade de antecipar fases de desenvolvimento, reduzindo o ciclo total de novos produtos e os custos envolvidos no processo de inovação, além de incentivar investimentos privados em P&D.
Essa estabilidade jurídica, alinhada às melhores práticas internacionais, fortalece o Brasil como destino de ensaios clínicos internacionais, estimula a transferência de tecnologia, fomenta um ambiente de inovação cada vez mais competitivo e parcerias com centros globais referências em saúde.
O alto escalão do Governo, ora ou outra, justifica ações, leis e projetos em nome da “soberania nacional”. Pois bem, segundo dados do Ministério da Saúde, embora o Brasil esteja entre os 20 países no ranking global de estudos clínicos, o país recebe menos de 2% da pesquisa clínica mundial. Para se ter uma ideia, em 2024 foram míseros 254 e olha que somos uma população de aproximadamente 214 milhões de pessoas, com ampla diversidade genética e cultural.
Não existe país soberano sem políticas públicas em saúde sólidas e robustas, muito menos sem uma população saudável. Com a Lei da Pesquisa com Seres Humanos damos um importante passo nessas direções.
Vale destacar ainda que essa maior clareza sobre os requisitos éticos e operacionais facilita o planejamento de pipelines clínicos, sobretudo para empresas focadas em moléculas inéditas e novos IFAs. De novo, a inovação a serviço da saúde pública.
Benefícios para o SUS
Mesmo com a estrutura e um contingente de profissionais que não dão conta de atender a nossa população, o Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro é referência para o mundo. E a recente Lei da Pesquisa com Seres Humanos pode ser aliada para ampliar esse acesso, sobretudo a tratamentos inovadores.
Se alcançada, a meta do Ministério da Saúde de pelo menos dobrar o número de pesquisas clínicas realizadas no país, favorecerá a maior oferta por medicamentos com novos IFAs, incluindo o desenvolvimento local de soluções terapêuticas para doenças negligenciadas ou tropicais, reduzindo assim a nossa dependência externa.
Por falar em dependência externa, atualmente o Brasil importa cerca de 95% dos IFAs utilizados na produção de medicamentos — um cenário que limita a competitividade da indústria instalada no país e aumenta a vulnerabilidade do sistema de saúde a variações cambiais e geopolíticas, fato exemplificado durante a pandemia da Covid-19 com a produção das vacinas. De novo, a “soberania nacional”, ou ausência dela, se faz presente.
Voltando aos benefícios do novo marco regulatório, ele se estende aos cofres públicos, uma vez que a maior oferta de estudos clínicos pode gerar considerável economia ao SUS por meio de parcerias, investimento robusto do setor privado diretamente no cuidado de milhares de pacientes que se tornam participantes de pesquisa, geração de dados robustos e produção nacional estratégica.
Inovação Radical e inserção do Brasil no cenário global de P&D
A Lei da Pesquisa com Seres Humanos é força motriz para a inovação radical, visto que aproxima o Brasil de frameworks regulatórios utilizados em mercados maduros, com os Estados Unidos e a Europa, facilitando assim a realização de estudos multicêntricos.
Enquanto a Lei nº 14.874/2024 garante segurança jurídica e previsibilidade para estudos clínicos, as iniciativas que articulam um ecossistema integrado que conecta indústria, startups, academia e investidores, como o Programa de Inovação Radical da Abiquifi, propiciam condições para o desenvolvimento de moléculas inéditas e a ampliação da produção nacional de IFAs. Essa sinergia não apenas acelera a inovação radical, mas também fortalece a soberania sanitária e posiciona o país como destino atrativo para capital internacional em áreas estratégicas como Biotecnologia e Terapias Avançadas, as quais o Brasil também está em consonância às melhores práticas internacionais.
Em um mundo cada vez menos hiper globalizado, o Brasil conta com características essenciais que podem nos colocar de volta ao protagonismo perante a economia mundial. E isso passa, obrigatoriamente, pela “soberania nacional” no âmbito de soluções em saúde inovadoras para acompanhar as novas tendências e hábitos da população brasileira – e mundial. Que todos façam a sua parte.
*Fernando de Rezende Francisco é diretor-executivo da Associação Brasileira das Organizações Representativas de Pesquisa Clínica (Abracro) desde 2011.
*Norberto Prestes é presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (Abiquifi) desde 2018.

Por Flávia Albuquerque
Por bioBR