O PIC/S (Pharmaceutical Inspection Co-operation Scheme) é uma iniciativa internacional criada para harmonizar os padrões de inspeção e garantir a conformidade com as Boas Práticas de Fabricação (BPF). Seu objetivo é promover a confiança mútua entre as autoridades regulatórias de diferentes países, garantindo que medicamentos sejam produzidos de forma segura e eficaz em todos os mercados globais.
O processo de adesão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) iniciado em 2010, foi concretizado somente em 2021. Os interesses da Anvisa em manter sua relevância e manter o sistema nacional funcionando, levaram à escolha de aderir ao modelo PIC/S de equivalência e convergência regulatória, que já se mostrou fundamental para a adaptação da referência internacional ao nível nacional.
Uma aceitação internacional mais ampla, representa uma porta aberta para entrar em cadeias de valores globais. Uma grande oportunidade está na atração de investimentos, pois o mercado brasileiro está alinhado aos padrões internacionais de fabricação e as inspeções BPF nacionais são aceitas por um número crescente de mercados internacionais.
As Boas Práticas de Fabricação descrevem os padrões mínimos, que os fabricantes farmacêuticos devem atender em seus processos de produção. Essas práticas servem para gerenciar e minimizar os riscos inerentes à fabricação farmacêutica para garantir a qualidade, segurança e eficácia dos produtos. Aderir às boas práticas de fabricação garante que os medicamentos sejam consistentemente produzidos e controlados, de acordo com os padrões de qualidade apropriados para o uso pretendido.
Todas as agências reguladoras da América Latina realizam inspeções nacionais, entretanto, algumas não realizam inspeções internacionais e muitas autoridades não inspecionam as instalações do fabricante de insumos farmacêuticos ativos (IFAs), antes de conceder uma nova autorização de mercado. Vários fatores impactam a abordagem para a verificação de conformidade com BPF: as capacidades internas da autoridade, tanto em termos de pessoal quanto de habilidades, especialmente no que diz respeito a novas tecnologias de fabricação, disponibilidade de recursos suficientes, barreiras culturais e linguísticas que podem afetar a eficácia do exercício de inspeção. Considerando que um programa de inspeção de rotina também deve estar em vigor após a primeira inspeção pré-mercado, isso demonstra o esforço que cada autoridade competente é solicitada a colocar na supervisão do fabricante.
A confiança regulatória (reliance) nas inspeções de BPF pode reduzir a carga de trabalho e permitir uma melhora significativa na supervisão da cadeia de suprimentos farmacêuticos para garantir a qualidade, segurança e eficácia dos medicamentos. Desse ponto de vista, os mecanismos de confiança para inspeções de BPF exigem harmonização de padrões e a recente expansão do PIC/S na região da América Latina auxiliou os países a adotarem padrões internacionais.
Atualmente, os países das Américas que são membros do PIC/S são: Groenlândia, Canadá, Estados Unidos da América, México, Brasil e Argentina.
Com foco na região da América Latina, todos os países adaptaram seus regulamentos às Diretrizes da OMS, mas apenas Argentina, Brasil e México são membros do PIC/S. Isso é importante, pois a associação ao PIC/S traz vários benefícios diretos às autoridades participantes. Além da harmonização internacional de BPF, há também:
- Programas de treinamento para inspetores que ocorrem como seminários PIC/S e círculos de especialistas através da participação no Programa de Visitas Conjuntas PIC/S, uma excelente oportunidade para avaliar os padrões de inspeção de autoridades estrangeiras.
- Networking, é de fato encorajado trocar contatos entre agências, sejam elas parte do PIC/S ou não. Esse networking frequentemente simplifica contatos e a troca de informações relacionadas a Boas Práticas de Fabricação.
- As autoridades membros são forçadas a melhorar e manter altos padrões no sistema e procedimentos de inspeção BPF. Altos padrões exigidos para o sistema de qualidade e treinamento contínuo aumentam a eficiência e ajudam a construir confiança em esquemas de cooperação.
- O compartilhamento voluntário de relatórios de inspeção de BPF entre autoridades membros melhora o uso eficaz de recursos, apoiando uma melhor supervisão do status de conformidade dos fabricantes e construindo mais um caminho para a confiança na inspeção.
- Todos os membros fazem parte do Sistema de Alerta e Recolhimento Rápido PIC/S, decorrentes de defeitos de qualidade em lotes de medicamentos que foram distribuídos no mercado. O Sistema de Alerta e Recolhimento PIC/S faz parte de um sistema mais amplo que inclui o Sistema de Alerta e Recolhimento de parceiros da União Europeia.
- A filiação ao PIC/S também pode facilitar a conclusão de outros acordos, por exemplo, Acordos de Reconhecimento Mútuo, entre Membros em vários níveis (por exemplo, Austrália-Canadá, UE-Suíça etc.).
- Os membros do PIC/S estão envolvidos no desenvolvimento e harmonização de guias e diretrizes internacionais. Esta é uma ótima oportunidade para promover a interpretação uniforme dos sistemas de qualidade para inspeções de BPF.
Brasil e Argentina também participam de acordos do Mercosul, como mais uma alavanca para harmonização e reconhecimento mútuo das inspeções.
A filiação ao PIC/S exige uma supervisão adequada de BPF dos fabricantes de insumos farmacêuticos ativos e medicamentos. Historicamente, todas as autoridades latino-americanas exigem uma Certificação de Boas Práticas para medicamentos, pois é um documento obrigatório a ser fornecido como parte do pacote de solicitação de autorização de comercialização para todos os produtos farmacêuticos. A verificação de conformidade é conduzida pré -mercado para fabricantes nacionais e estrangeiros, por meio de uma inspeção no local ou por meio da confiança em uma inspeção de autoridade estrangeira, se houver acordos. No caso dos insumos farmacêuticos ativos, várias autoridades latino-americanas não exigem a Certificação de Boas Práticas de Fabricação dos fabricantes de IFAs. No passado, a ANVISA e a INVIMA exigiam documentação de BPF para alguns, mas não todos os IFAs, enquanto a COFEPRIS era a única autoridade latino-americana que exigia documentação de BPF para todos os IFAs.
As diretrizes do ICH e os programas de pré-qualificação da OMS exigem a conformidade com as BPFs para todos os fabricantes de IFAs, o que significa que, ao ingressar no PIC/S, uma verificação de conformidade com as BPFs deve ser implementada para os fabricantes de IFAs, que estão envolvidos na fabricação de medicamentos novos, inovadores, genéricos e similares para o mercado brasileiro.
As inspeções internacionais estão aumentando devido à globalização do mercado farmacêutico e à complexidade da cadeia de suprimentos. A ANVISA é responsável por fazer todas as inspeções internacionais, mas projeta sua estratégia de inspeção com base em acordos de confiança com alguns países do MERCOSUL e Cuba. Espera-se que a confiança seja expandida para outros territórios como efeito da associação ao PIC/S. Várias medidas foram tomadas e espera-se que deem resultados em um período de médio prazo; por exemplo, em 2021, a ANVISA, de um lado, e a Direção-Geral de Saúde e Segurança Alimentar da Comissão Europeia (DG SANTE) e a Agência Europeia de Medicamentos (EMA), do outro lado, assinaram “um acordo de trabalho para permitir maior cooperação como um meio de proteger melhor a saúde e facilitar o acesso a produtos médicos e medicinais seguros e de alta qualidade”.
Participar do PIC/S significa ser forçado a cumprir com os padrões internacionais. Acima de tudo, os padrões do ICH devem ser integrados às regras nacionais. Outra melhoria importante é representada pelo reconhecimento de todas as novas diretrizes e anexos de BPF publicados pelo PIC/S. Um exemplo muito importante é representado pelo novo Anexo I para fabricação estéril, pois eleva os padrões aplicáveis à fabricação estéril, fortalecendo os requisitos sobre as estratégias de garantia de esterilidade. Investimentos importantes serão necessários, mas tais investimentos garantirão que a cadeia de suprimentos nacional sempre estará alinhada aos mais altos padrões internacionais de qualidade, tornando a indústria farmacêutica nacional competitiva no cenário internacional.
Também deve ser dada relevância à prevenção de escassez, que está sob o cuidado especial de quase todos os reguladores em todo o mundo. Durante o período da pandemia de 2020 a 2022, vários países, mesmo os mercados farmacêuticos mais fortes, experimentaram maior consumo de medicamentos e interrupções na cadeia de suprimentos devido à proteção de mercados estrangeiros. Uma experiência tão dramática levou a situações de escassez de medicamentos e interrupção de terapias que salvam vidas nos casos mais trágicos. As autoridades competentes estão implementando novas políticas para melhorar a supervisão de escassez, a flexibilidade sobre a cadeia de suprimentos e a prevenção de interrupções no fornecimento.
A associação ao PIC/S, como efeito, proporciona reconhecimento internacional, reconhecimento mútuo de padrões BPF e inspeções, resultando em uma cadeia de suprimentos flexível.
Atualmente, ainda há vários impulsionadores para a produção local de medicamentos. A dependência da China e da Índia representa riscos potenciais para a qualidade dos produtos farmacêuticos; de fato, cerca de metade das cartas de advertência que o FDA enviou aos fabricantes em 2018 e 2019 foram para instalações na China e na Índia. A China é a principal produtora e exportadora global de insumos farmacêuticos ativos em volume; portanto, espera-se que vários governos latino-americanos introduzam mecanismos para beneficiar a fabricação local de IFAs e medicamentos. Os membros do PIC/S podem ser líderes na produção e fornecimento de matérias-primas na América Latina, garantindo os mais altos padrões de Qualidade.
A adesão do Brasil ao PIC/S, por meio da ANVISA e da RDC 658, representa um passo importante para a internacionalização da indústria farmacêutica brasileira. Embora o processo de adaptação às novas normas seja desafiador, especialmente para empresas de menor porte, os benefícios a longo prazo em termos de reconhecimento internacional, competitividade e acesso a novos mercados são substanciais.
As empresas brasileiras que conseguirem se adaptar rapidamente às novas exigências estarão bem-posicionadas para aproveitar as oportunidades de negócios, tanto no Brasil quanto no exterior, especialmente em um cenário global onde a harmonização regulatória é cada vez mais valorizada.
Referências:
- Apresentação PIC/S – https://picscheme.org/en/about
- Lista de membros do PIC/S
- Guia PIC/S de boas práticas de fabricação de medicamentos
- Relatório do estudo de avaliação de impacto do PIC/S – PQE/Brazilian Pharma & Health – Agosto/2024