Inovação Radical na Saúde Animal

O mercado veterinário brasileiro é um dos maiores e mais dinâmicos do mundo, abrangendo tanto o segmento de animais de estimação quanto o de agropecuária. No setor de pets, o Brasil se destaca como o segundo maior mercado global, impulsionado pelo crescente número de animais de estimação e pela humanização dos cuidados com esses animais, o que leva a uma demanda crescente por produtos e serviços veterinários de alta qualidade. Segundo a ABINPET, em 2022 o faturamento do segmento foi de R$ 41,9 bilhões, abrangendo desde alimentos e medicamentos até serviços especializados. No âmbito agropecuário, o Brasil, como um dos principais produtores e exportadores de carne bovina, suína e de aves, possui um robusto mercado veterinário voltado para a saúde animal, essencial para garantir a qualidade e a segurança dos produtos de origem animal. Este segmento é crucial para a manutenção da competitividade do Brasil no mercado internacional, abrangendo vacinas, medicamentos e serviços de saúde animal que suportam a vasta cadeia produtiva agropecuária do país. Além disso, existe um grande espaço para a adoção de novas tecnologias e inovações radicais, que podem transformar práticas tradicionais, aumentar a eficiência e promover a sustentabilidade tanto no cuidado com pets quanto na produção agropecuária.

A inovação radical desempenha um papel crucial no avanço dos setores agropecuário e veterinário, especialmente no contexto brasileiro, onde a saúde animal é uma prioridade. A introdução de inovações disruptivas, particularmente em biotecnologia e fármacos, pode transformar significativamente a maneira como esses setores operam, trazendo benefícios tanto para os produtores quanto para os consumidores. No setor veterinário, a inovação radical se manifesta através do desenvolvimento de novos fármacos e vacinas. A biotecnologia permite a criação de vacinas mais eficazes e seguras, adaptadas para combater doenças específicas que afetam diferentes espécies animais. Por exemplo, a utilização de vacinas de RNA mensageiro, uma tecnologia que ganhou destaque com as vacinas contra a COVID-19, está começando a ser explorada para uso veterinário. A Zoetis, por exemplo, desenvolveu uma vacina de mRNA para proteger visons contra a COVID-19, demonstrando o potencial dessa tecnologia em animais de produção. A Elanco Animal Health está colaborando com instituições de pesquisa para criar vacinas de mRNA para aves e suínos, visando melhorar a prevenção de doenças infecciosas nessas espécies. A Boehringer Ingelheim Animal Health também está investindo em vacinas de mRNA para bovinos e suínos, com foco em doenças infecciosas. Além disso, a CureVac, conhecida por seu trabalho em vacinas humanas, está explorando o uso de mRNA na saúde animal em parceria com outras empresas do setor. Por fim, a Biogenesis Bago está desenvolvendo vacinas de mRNA para doenças como a febre aftosa em gado, evidenciando a ampla aplicação dessa tecnologia na agropecuária. Isso não só melhora o bem-estar animal, mas também reduz a dependência de antibióticos, promovendo uma abordagem mais sustentável para a saúde animal.

Além disso, a engenharia genética está abrindo novas fronteiras na saúde animal. A edição de genes, através de tecnologias como CRISPR-Cas9, possibilita a criação de raças mais resistentes a doenças e mais adaptadas às condições climáticas brasileiras. Isso é particularmente relevante em um país com uma vasta extensão territorial e diversidade climática, como o Brasil. Desenvolver animais que possam prosperar em diferentes regiões aumenta significativamente a produtividade e a sustentabilidade da agropecuária. Por exemplo, a criação de gado resistente a parasitas comuns nas regiões tropicais pode reduzir drasticamente as perdas econômicas causadas por essas pragas.

 A inovação radical também se traduz em avanços no diagnóstico e tratamento de doenças animais. Tecnologias de diagnóstico avançado, como a utilização de inteligência artificial para análise de imagens e dados de saúde, permitem a detecção precoce de doenças, facilitando intervenções preventivas. Isso não só melhora a saúde dos animais, mas também reduz os custos associados ao tratamento de doenças em estágio avançado. Um estudo recente mostrou que o uso de ferramentas de diagnóstico baseadas em IA pode aumentar a precisão dos diagnósticos em até 30%, resultando em tratamentos mais eficazes.

A produção de anticorpos monoclonais e terapias personalizadas oferece soluções precisas e eficazes para o tratamento de infecções e outras condições de saúde animal. Essas inovações não apenas melhoram a saúde e o bem-estar dos animais, mas também aumentam a produtividade do setor agropecuário. Por exemplo, tratamentos personalizados para doenças respiratórias em suínos podem reduzir significativamente as taxas de mortalidade e melhorar o ganho de peso, resultando em uma produção mais eficiente.

Existem vários exemplos de sucesso onde a inovação radical já está causando impacto. Um caso notável é o uso de inteligência artificial (IA) para o desenvolvimento de Ingredientes Farmacêuticos Ativos (IFAs) sintéticos. A aplicação da IA nesse campo permite a identificação e a síntese de novos compostos de maneira mais eficiente e precisa, acelerando o processo de desenvolvimento de medicamentos e tratamentos. Essa tecnologia pode prever como diferentes compostos químicos interagem com alvos biológicos, otimizando a eficácia dos novos IFAs. Tais inovações não apenas melhoram a saúde animal, mas também podem aumentar a eficiência operacional, resultando em economias significativas. Além disso, estudos têm mostrado que a adoção de práticas inovadoras pode levar a um aumento substancial na produtividade. Por exemplo, a implementação de sistemas de manejo integrado de pragas e o uso de biopesticidas têm demonstrado reduzir as perdas de culturas em até 40%, aumentando assim a produção geral.

Além dos avanços tecnológicos nos setores agropecuário e veterinário, o governo federal lançou a nova indústria brasil com o objetivo de impulsionar a indústria nacional até 2033, entre as metas prioritárias estão o incentivo a produção nacional de Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs). Este incentivo visa suprir as necessidades do mercado farmacêutico, tanto humano quanto veterinário, reduzindo a dependência de importações e fortalecendo a capacidade de inovação local. A produção nacional de IFAs não apenas melhora a segurança de abastecimento, mas também permite um maior controle sobre a qualidade dos produtos farmacêuticos. Ao estimular o desenvolvimento local, o Brasil pode se tornar um líder na produção de IFAs, garantindo que tanto o setor de saúde humana quanto o veterinário tenham acesso a medicamentos eficazes e acessíveis. Esta estratégia também promove a criação de empregos e o crescimento econômico, ao mesmo tempo em que apoia a sustentabilidade e a inovação no setor farmacêutico.

No entanto, a adoção de inovações radicais enfrenta desafios, como a resistência à mudança e a necessidade de investimentos significativos. Muitos produtores podem estar relutantes em adotar novas tecnologias devido ao custo inicial ou à falta de conhecimento sobre os benefícios potenciais. Por isso, é fundamental que haja políticas públicas que incentivem a pesquisa e o desenvolvimento, bem como a capacitação dos profissionais do setor. Programas de treinamento e workshops podem ajudar a educar os produtores sobre as vantagens das novas tecnologias e como implementá-las efetivamente. Associações como a ABIQUIFI desempenham um papel crucial no desenvolvimento do ecossistema de inovação radical no Brasil, integrando startups, grandes empresas, Instituições de Ciência e Tecnologia (ICTs), agências regulatórias e órgãos de fomento. A colaboração entre essas entidades, juntamente com universidades, empresas e governos, é essencial para criar um ambiente favorável à inovação, promovendo sinergias e facilitando o fluxo de conhecimento e recursos necessários para impulsionar avanços significativos no setor.

O ambiente regulatório é um dos principais desafios para a implementação de tecnologias inovadoras radicais no Brasil. As regulamentações podem ser complexas e demoradas, frequentemente atrasando a introdução de novas tecnologias no mercado. Além disso, a falta de harmonização entre as normas brasileiras e internacionais cria barreiras adicionais para empresas que desejam inovar. É crucial que o governo trabalhe para simplificar e agilizar os processos regulatórios, garantindo que sejam rigorosos o suficiente para proteger a saúde pública e o meio ambiente, mas flexíveis o suficiente para não sufocar a inovação.

Políticas públicas eficazes são essenciais para apoiar a inovação radical. Isso inclui não apenas a criação de um ambiente regulatório favorável, mas também o fornecimento de incentivos financeiros e fiscais para empresas que investem em pesquisa e desenvolvimento. O financiamento específico para inovação pode vir de várias fontes, incluindo subsídios governamentais, investimentos privados e parcerias público-privadas. Além disso, é importante investir na formação de capital humano, com educação e treinamento para garantir que a força de trabalho esteja preparada para lidar com novas tecnologias.

A utilização de exemplos bem-sucedidos de implementação de inovação radical por outros países pode ser uma estratégia eficaz para o Brasil. Países que já enfrentaram e superaram desafios semelhantes podem servir como modelos, oferecendo insights valiosos sobre como estruturar um ambiente regulatório que equilibre a segurança pública com a promoção da inovação. Nações que adotaram abordagens mais ágeis e transparentes em seus processos regulatórios frequentemente conseguem acelerar a introdução de novas tecnologias sem comprometer a segurança. Além disso, políticas robustas de proteção à propriedade intelectual, como as implementadas em países com ecossistemas de inovação maduros, podem incentivar mais investimentos em pesquisa e desenvolvimento, assegurando que inventores e empresas possam colher os frutos de suas inovações. Ao adaptar essas práticas internacionais ao contexto brasileiro, o país pode acelerar seu progresso tecnológico e aumentar sua competitividade global.

Associações como a ABIQUIFI podem desempenhar um papel vital na superação desses desafios. Elas podem atuar como intermediárias entre o setor privado e o governo, ajudando a moldar políticas que incentivem a inovação. Além disso, podem oferecer suporte às empresas na navegação pelo complexo ambiente regulatório, fornecendo informações e recursos que facilitem o cumprimento das normas. A ABIQUIFI também pode promover a colaboração entre diferentes atores do setor, facilitando parcerias que podem levar ao desenvolvimento de novas tecnologias.

A capacitação de profissionais é outro aspecto crucial para a implementação bem-sucedida de inovações radicais. Isso requer não apenas treinamento técnico, mas também uma mudança cultural dentro das organizações para que os funcionários estejam abertos a novas ideias e abordagens.

Em suma, a inovação radical é essencial para o futuro do setor veterinário e agropecuário no Brasil. Ela oferece soluções para aumentar a eficiência, a produtividade e a sustentabilidade, ao mesmo tempo em que melhora o bem-estar animal. Investir em inovação é investir no futuro do país, garantindo que o Brasil continue a ser um líder global na produção agropecuária. Para alcançar esse objetivo, é necessário um esforço conjunto de todos os atores envolvidos, desde o governo até os produtores individuais, para criar um ecossistema que apoie e promova a inovação contínua. A colaboração entre o setor público e privado, o apoio de associações como a ABIQUIFI e a implementação de políticas públicas eficazes são fundamentais para superar os desafios e aproveitar ao máximo as oportunidades oferecidas pela inovação radical.

PIC/S – Harmonização dos procedimentos de BPF

O PIC/S (Pharmaceutical Inspection Co-operation Scheme) é uma iniciativa internacional criada para harmonizar os padrões de inspeção e garantir a conformidade com as Boas Práticas de Fabricação (BPF). Seu objetivo é promover a confiança mútua entre as autoridades regulatórias de diferentes países, garantindo que medicamentos sejam produzidos de forma segura e eficaz em todos os mercados globais.

O processo de adesão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) iniciado em 2010, foi concretizado somente em 2021. Os interesses da Anvisa em manter sua relevância e manter o sistema nacional funcionando, levaram à escolha de aderir ao modelo PIC/S de equivalência e convergência regulatória, que já se mostrou fundamental para a adaptação da referência internacional ao nível nacional.

Uma aceitação internacional mais ampla, representa uma porta aberta para entrar em cadeias de valores globais. Uma grande oportunidade está na atração de investimentos, pois o mercado brasileiro está alinhado aos padrões internacionais de fabricação e as inspeções BPF nacionais são aceitas por um número crescente de mercados internacionais.

As Boas Práticas de Fabricação descrevem os padrões mínimos, que os fabricantes farmacêuticos devem atender em seus processos de produção. Essas práticas servem para gerenciar e minimizar os riscos inerentes à fabricação farmacêutica para garantir a qualidade, segurança e eficácia dos produtos. Aderir às boas práticas de fabricação garante que os medicamentos sejam consistentemente produzidos e controlados, de acordo com os padrões de qualidade apropriados para o uso pretendido.

Todas as agências reguladoras da América Latina realizam inspeções nacionais, entretanto, algumas não realizam inspeções internacionais e muitas autoridades não inspecionam as instalações do fabricante de insumos farmacêuticos ativos (IFAs), antes de conceder uma nova autorização de mercado. Vários fatores impactam a abordagem para a verificação de conformidade com BPF: as capacidades internas da autoridade, tanto em termos de pessoal quanto de habilidades, especialmente no que diz respeito a novas tecnologias de fabricação, disponibilidade de recursos suficientes, barreiras culturais e linguísticas que podem afetar a eficácia do exercício de inspeção. Considerando que um programa de inspeção de rotina também deve estar em vigor após a primeira inspeção pré-mercado, isso demonstra o esforço que cada autoridade competente é solicitada a colocar na supervisão do fabricante.

A confiança regulatória (reliance) nas inspeções de BPF pode reduzir a carga de trabalho e permitir uma melhora significativa na supervisão da cadeia de suprimentos farmacêuticos para garantir a qualidade, segurança e eficácia dos medicamentos. Desse ponto de vista, os mecanismos de confiança para inspeções de BPF exigem harmonização de padrões e a recente expansão do PIC/S na região da América Latina auxiliou os países a adotarem padrões internacionais.

Atualmente, os países das Américas que são membros do PIC/S são: Groenlândia, Canadá, Estados Unidos da América, México, Brasil e Argentina.

Com foco na região da América Latina, todos os países adaptaram seus regulamentos às Diretrizes da OMS, mas apenas Argentina, Brasil e México são membros do PIC/S. Isso é importante, pois a associação ao PIC/S traz vários benefícios diretos às autoridades participantes. Além da harmonização internacional de BPF, há também:

  • Programas de treinamento para inspetores que ocorrem como seminários PIC/S e círculos de especialistas através da participação no Programa de Visitas Conjuntas PIC/S, uma excelente oportunidade para avaliar os padrões de inspeção de autoridades estrangeiras.
  • Networking, é de fato encorajado trocar contatos entre agências, sejam elas parte do PIC/S ou não. Esse networking frequentemente simplifica contatos e a troca de informações relacionadas a Boas Práticas de Fabricação.
  • As autoridades membros são forçadas a melhorar e manter altos padrões no sistema e procedimentos de inspeção BPF. Altos padrões exigidos para o sistema de qualidade e treinamento contínuo aumentam a eficiência e ajudam a construir confiança em esquemas de cooperação.
  • O compartilhamento voluntário de relatórios de inspeção de BPF entre autoridades membros melhora o uso eficaz de recursos, apoiando uma melhor supervisão do status de conformidade dos fabricantes e construindo mais um caminho para a confiança na inspeção.
  • Todos os membros fazem parte do Sistema de Alerta e Recolhimento Rápido PIC/S, decorrentes de defeitos de qualidade em lotes de medicamentos que foram distribuídos no mercado. O Sistema de Alerta e Recolhimento PIC/S faz parte de um sistema mais amplo que inclui o Sistema de Alerta e Recolhimento de parceiros da União Europeia.
  • A filiação ao PIC/S também pode facilitar a conclusão de outros acordos, por exemplo, Acordos de Reconhecimento Mútuo, entre Membros em vários níveis (por exemplo, Austrália-Canadá, UE-Suíça etc.).
  • Os membros do PIC/S estão envolvidos no desenvolvimento e harmonização de guias e diretrizes internacionais. Esta é uma ótima oportunidade para promover a interpretação uniforme dos sistemas de qualidade para inspeções de BPF.

Brasil e Argentina também participam de acordos do Mercosul, como mais uma alavanca para harmonização e reconhecimento mútuo das inspeções.

A filiação ao PIC/S exige uma supervisão adequada de BPF dos fabricantes de insumos farmacêuticos ativos e medicamentos. Historicamente, todas as autoridades latino-americanas exigem uma Certificação de Boas Práticas para medicamentos, pois é um documento obrigatório a ser fornecido como parte do pacote de solicitação de autorização de comercialização para todos os produtos farmacêuticos. A verificação de conformidade é conduzida pré -mercado para fabricantes nacionais e estrangeiros, por meio de uma inspeção no local ou por meio da confiança em uma inspeção de autoridade estrangeira, se houver acordos. No caso dos insumos farmacêuticos ativos, várias autoridades latino-americanas não exigem a Certificação de Boas Práticas de Fabricação dos fabricantes de IFAs. No passado, a ANVISA e a INVIMA exigiam documentação de BPF para alguns, mas não todos os IFAs, enquanto a COFEPRIS era a única autoridade latino-americana que exigia documentação de BPF para todos os IFAs.

As diretrizes do ICH e os programas de pré-qualificação da OMS exigem a conformidade com as BPFs para todos os fabricantes de IFAs, o que significa que, ao ingressar no PIC/S, uma verificação de conformidade com as BPFs deve ser implementada para os fabricantes de IFAs, que estão envolvidos na fabricação de medicamentos novos, inovadores, genéricos e similares para o mercado brasileiro.

As inspeções internacionais estão aumentando devido à globalização do mercado farmacêutico e à complexidade da cadeia de suprimentos. A ANVISA é responsável por fazer todas as inspeções internacionais, mas projeta sua estratégia de inspeção com base em acordos de confiança com alguns países do MERCOSUL e Cuba. Espera-se que a confiança seja expandida para outros territórios como efeito da associação ao PIC/S. Várias medidas foram tomadas e espera-se que deem resultados em um período de médio prazo; por exemplo, em 2021, a ANVISA, de um lado, e a Direção-Geral de Saúde e Segurança Alimentar da Comissão Europeia (DG SANTE) e a Agência Europeia de Medicamentos (EMA), do outro lado, assinaram “um acordo de trabalho para permitir maior cooperação como um meio de proteger melhor a saúde e facilitar o acesso a produtos médicos e medicinais seguros e de alta qualidade”.

Participar do PIC/S significa ser forçado a cumprir com os padrões internacionais. Acima de tudo, os padrões do ICH devem ser integrados às regras nacionais. Outra melhoria importante é representada pelo reconhecimento de todas as novas diretrizes e anexos de BPF publicados pelo PIC/S. Um exemplo muito importante é representado pelo novo Anexo I para fabricação estéril, pois eleva os padrões aplicáveis à fabricação estéril, fortalecendo os requisitos sobre as estratégias de garantia de esterilidade. Investimentos importantes serão necessários, mas tais investimentos garantirão que a cadeia de suprimentos nacional sempre estará alinhada aos mais altos padrões internacionais de qualidade, tornando a indústria farmacêutica nacional competitiva no cenário internacional.

Também deve ser dada relevância à prevenção de escassez, que está sob o cuidado especial de quase todos os reguladores em todo o mundo. Durante o período da pandemia de 2020 a 2022, vários países, mesmo os mercados farmacêuticos mais fortes, experimentaram maior consumo de medicamentos e interrupções na cadeia de suprimentos devido à proteção de mercados estrangeiros. Uma experiência tão dramática levou a situações de escassez de medicamentos e interrupção de terapias que salvam vidas nos casos mais trágicos. As autoridades competentes estão implementando novas políticas para melhorar a supervisão de escassez, a flexibilidade sobre a cadeia de suprimentos e a prevenção de interrupções no fornecimento.

A associação ao PIC/S, como efeito, proporciona reconhecimento internacional, reconhecimento mútuo de padrões BPF e inspeções, resultando em uma cadeia de suprimentos flexível.

Atualmente, ainda há vários impulsionadores para a produção local de medicamentos. A dependência da China e da Índia representa riscos potenciais para a qualidade dos produtos farmacêuticos; de fato, cerca de metade das cartas de advertência que o FDA enviou aos fabricantes em 2018 e 2019 foram para instalações na China e na Índia. A China é a principal produtora e exportadora global de insumos farmacêuticos ativos em volume; portanto, espera-se que vários governos latino-americanos introduzam mecanismos para beneficiar a fabricação local de IFAs e medicamentos. Os membros do PIC/S podem ser líderes na produção e fornecimento de matérias-primas na América Latina, garantindo os mais altos padrões de Qualidade.

A adesão do Brasil ao PIC/S, por meio da ANVISA e da RDC 658, representa um passo importante para a internacionalização da indústria farmacêutica brasileira. Embora o processo de adaptação às novas normas seja desafiador, especialmente para empresas de menor porte, os benefícios a longo prazo em termos de reconhecimento internacional, competitividade e acesso a novos mercados são substanciais.

As empresas brasileiras que conseguirem se adaptar rapidamente às novas exigências estarão bem-posicionadas para aproveitar as oportunidades de negócios, tanto no Brasil quanto no exterior, especialmente em um cenário global onde a harmonização regulatória é cada vez mais valorizada.

Referências:

Parcerias Público-Privadas (PPPs) como Ferramenta Estratégica para a Inovação em Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs) no Brasil

O setor de saúde enfrenta desafios constantes na busca por inovações que melhorem a qualidade de vida da população. Atualmente, as políticas industriais para a indústria farmoquímica no Brasil enfrentam desafios significativos. A indústria farmacêutica brasileira já foi bastante robusta, e na década de 1980 o país produzia cerca de 55% dos insumos farmacêuticos necessários à produção nacional. Hoje esse número se reduziu para 5%[1] e necessitaria investir US$ 1 bilhão em desenvolvimento e infraestrutura para ampliar para 20% a produção nacional dentro de cinco a 10 anos[2].

Atualmente, a produção interna de Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs) é ínfima e decrescente, fazendo com que 90% das necessidades do setor sejam supridas atualmente por importações, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria Farmoquímica e de Insumos Farmacêuticos – ABIQUIFI. Estima-se que cerca de dois terços da produção de IFAs destinada à venda no mundo sejam provenientes da Ásia[3].

De acordo com o relatório da Oxfam[4], o mercado de IFA no mundo deve crescer por volta de 6,67% entre 2022 e 2028, recebendo investimento de US$ 312 bilhões. Segundo Abiquifi, estima-se que o crescimento do mercado mundial será de aproximadamente US$ 200 bilhões até 2025. Esse cenário, impulsiona os investimentos em pesquisa e o desenvolvimento (P&D) de IFAs, demonstrando o papel crucial desta etapa da cadeia produtiva para definir vantagens estratégicas e na busca por protagonismo na produção de medicamentos inovadores e patenteáveis.

A China, na última década, despontou como um importante ator na indústria farmacêutica global, passando por uma transição de um país focado na etapa de fabricação de fármacos para um centro estratégico de P&D para a criação de fármacos mais inovadores. A Índia é o maior provedor de medicamentos genéricos do mundo, ocupando cerca de 20% do mercado mundial e participando em alguma etapa da produção global de 60% das vacinas[5]. A indústria farmacêutica na Índia evoluiu para se tornar uma das principais indústrias focadas em pesquisa. Reconhecendo a importância de investir em pesquisa e desenvolvimento (P&D), as empresas indianas passaram de meras fabricantes de genéricos para desenvolvedoras de produtos patenteáveis4.

[1] A evolução recente da indústria farmacêutica brasileira nos limites da subordinação econômica. Physis, 28(01), 2018.

[2] O custo do atraso, Abiquifi.

[3] Há espaços competitivos para a indústria farmoquímica brasileira? Reflexões e propostas para políticas públicas. Mitidieri, T. L. et al. 2015, BNDES Setorial, v. 41, p. 1-36.

[4]  Nota Tecnica: Capacidade de produção de vacinas no Brasil, 2023.

[5] Brasil, China e Índia nas cadeias globais de valor da indústria farmacêutica, 2023.

Em contraste com essa realidade, o Brasil apostou na atração de empresas multinacionais estrangeiras, considerando que a produção local de farmoquímicos e medicamentos viria acompanhada pela transferência de tecnologia, o que não se concretizou. A falta de investimento em P&D é evidente, com a despesa nacional nessa área em declínio nos últimos anos[6]. Em 2017, chegou a R$ 41,2 bilhões, o menor patamar desde 2012, segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Em 2017, o investimento em P&D atingiu o menor patamar desde 2012, com R$ 41,2 bilhões. O próprio Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) teve seu orçamento significativamente reduzido em 2020.— excluindo salários e despesas obrigatórias, sobraram R$ 3,7 bilhões para investimentos, 30% a menos que em 2019, em valores reais.[7] 

Diante desse contexto, fica evidente que o Brasil precisa fortalecer sua capacidade de P&D em IFAs para superar a dependência tecnológica e ampliar o acesso a medicamentos. O investimento em pesquisa e inovação é crucial para o país alcançar uma posição estratégica no competitivo mercado farmacêutico global, garantindo o acesso da população a medicamentos essenciais e fomentando o desenvolvimento da indústria nacional.

É nesse cenário que as Parcerias Público-Privadas (PPPs) emergem como uma ferramenta estratégica para alavancar o processo de inovação de IFAs, combinando os recursos e expertises do setor público e privado em prol do avanço científico e tecnológico.

No Brasil, a relevância das PPPs para P&D de IFAs é intensificada por ações governamentais como a Nova Política Industrial e iniciativas voltadas ao Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Essas medidas visam não apenas incentivar a inovação, mas também promover a internacionalização da produção de itens estratégicos e ampliar o acesso da população a tecnologias em saúde, fortalecendo o SUS.

Desafios e Complexidade na P&D de IFAs

Além da longa duração e dos altos custos inerentes, a P&D de IFAs é marcada por desafios multifacetados. A complexidade científica e tecnológica subjacente demanda expertise em áreas como química medicinal, biologia molecular, farmacocinética e toxicologia. Ademais, o processo regulatório impõe requisitos rigorosos em termos de segurança e eficácia, prolongando o tempo e elevando os custos de desenvolvimento.

A incerteza científica intrínseca à P&D de IFAs também é um fator crucial. Durante o processo, diversas moléculas promissoras podem não atingir os desfechos clínicos esperados, seja por ausência de eficácia, eventos adversos inesperados ou desafios na produção em escala industrial. Essa elevada taxa de atrito exige que empresas e instituições de pesquisa mantenham um portfólio diversificado de projetos, o que, por sua vez, intensifica os custos e a complexidade inerentes à P&D de IFAs.

[6] Ciência à míngua. Revista Pesquisa FAPESP. Edição 304, 2021.

[7] O declínio do investimento público em ciência e tecnologia, 2019.

Experiências Internacionais de Sucesso com PPPs em P&D de IFAs

Apesar dos desafios, diversos países já implementaram PPPs com sucesso nessa área, colhendo resultados significativos. O National Institutes of Health (NIH) colabora com diversos setores para promover avanços científicos e melhorar a saúde pública. Um exemplo bem-sucedido está na parceria público-privada para acelerar a pesquisa e o desenvolvimento clínico de vacinas e tratamentos para a COVID-19 estabelecida em abril de 2020 pelo NHI, Accelerating COVID-19 Therapeutic Interventions and Vaccines (ACTIV).

Na Europa, a Innovative Medicines Initiative (IMI), uma colaboração entre a União Europeia e a indústria farmacêutica, destaca-se como uma das maiores PPPs em ciências da vida. Desde 2008, a IMI lançou quase 200 projetos, abordando uma ampla gama de doenças e desafios na pesquisa médica e desenvolvimento de medicamentos.

Outras iniciativas como a Partners In Health (PIH), que atua em diversos países fortalecendo sistemas de saúde e combatendo doenças; a GAVI, aliança público-privada que trabalha para ampliar o acesso a vacinas em países de baixa renda; e a Medicines for Malaria Venture (MMV), dedicada à pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos para malária, também são exemplos que ilustram o potencial das PPPs para impulsionar avanços na saúde, desde a pesquisa e desenvolvimento até a gestão de serviços e o acesso a tratamentos.

Aprendizados para o Brasil e Estratégias Nacionais de Longo Prazo

Ao analisar experiências internacionais bem-sucedidas, o Brasil pode identificar as melhores práticas em termos de estruturação de contratos, alocação de riscos, incentivos à inovação e transferência de tecnologia. Adaptar essas lições à realidade brasileira é fundamental para fomentar um ambiente propício à atração de investimentos, ao estímulo à pesquisa e desenvolvimento e ao fortalecimento da produção nacional de IFAs.

O cenário brasileiro atual apresenta um terreno fértil para o desenvolvimento de Parcerias Público-Privadas (PPPs) no setor de IFAs, impulsionado por ações governamentais recentes. A Nova Política Industrial, por exemplo, prevê a criação de linhas de crédito e fundos de investimento para apoiar projetos de pesquisa e desenvolvimento em setores estratégicos, incluindo a saúde. Com um horizonte de planejamento até 2030, a Estratégia Nacional de Desenvolvimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde lançada pelo Ministério da Saúde, visa fortalecer a indústria nacional de saúde e promover o desenvolvimento tecnológico, com foco na produção local de medicamentos, equipamentos e insumos.

As Portarias GM/MS nº 4.472/24 e 4.473/24, por sua vez, estabelecem as novas diretrizes para as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) e o Programa de Desenvolvimento e Inovação Local (PDIL), respectivamente. A PDP, um instrumento já consolidado no âmbito do SUS, visa fomentar a colaboração entre o setor público e o privado para o desenvolvimento e produção de produtos estratégicos para o SUS, como medicamentos, vacinas e equipamentos médico-hospitalares. As novas regras do PDP trazem maior segurança jurídica e agilidade aos processos, além de ampliar o escopo de atuação para incluir o desenvolvimento de tecnologias e processos inovadores.

O PDIL, por sua vez, é um novo programa que busca promover o desenvolvimento da produção e inovação local voltadas aos desafios em saúde, com foco na sustentabilidade e resiliência do sistema. O programa prevê a criação de redes de pesquisa e inovação, o apoio a projetos de desenvolvimento tecnológico e a capacitação de recursos humanos, incentivando a participação de pequenas e médias empresas, universidades e instituições de pesquisa.

O Caminho para a Autossuficiência

A continuidade e o fortalecimento dessas iniciativas são cruciais para que o Brasil supere os desafios atuais e se torne um líder na produção de insumos farmacêuticos. Com um ecossistema de inovação bem estruturado, o país estará mais preparado para enfrentar futuras crises de saúde e garantir o acesso da população a medicamentos de alta qualidade. A Abiquifi, com seu compromisso com o desenvolvimento tecnológico e a internacionalização, está no centro desse esforço, trabalhando para construir um futuro mais saudável e inovador para o Brasil.

O Programa de Inovação Radical (PIR) ao mapear e executar ações estruturantes no ecossistema de inovação, contribui para o fortalecimento da indústria, a redução da dependência externa e o acesso da população a tecnologias e tratamentos de ponta. Esta iniciativa busca alinhar as políticas governamentais, com o propósito de impulsionar o desenvolvimento tecnológico e a produção local de IFAs por meio do incentivo à pesquisa, à inovação e à colaboração entre os setores público e privado.

A colaboração entre universidades, instituições de pesquisa e empresas é chave para o desenvolvimento de IFAs. Para alcançar o sucesso nesse cenário, é fundamental realizar um mapeamento detalhado das competências e oportunidades do setor farmoquímico brasileiro. Uma abordagem promissora é a busca por parcerias estratégicas com empresas farmacêuticas em outros países da América Latina, visando fortalecer a cadeia produtiva regional e ampliar o acesso a novos mercados.

Além disso, é essencial direcionar esforços para atender às demandas de mercados com regulamentações rigorosas, como Europa e Estados Unidos. Essa estratégia impulsionará a inovação e a qualidade dos produtos farmoquímicos nacionais, elevando a competitividade do setor em escala global. Ao adotar essa abordagem, as farmoquímicas brasileiras poderão diversificar seu portfólio e conquistar novos mercados, consolidando sua posição no cenário internacional e contribuindo para o desenvolvimento da indústria farmacêutica nacional.

Portanto, o cenário atual apresenta uma oportunidade única para o setor farmacêutico e farmoquímico brasileiro. Com o apoio governamental, investimentos em P&D, e a busca por parcerias estratégicas, o Brasil tem o potencial de se tornar um player global na produção de IFAs e medicamentos inovadores, impulsionando o crescimento econômico, gerando empregos de alta qualidade e, principalmente, garantindo o acesso da população a medicamentos seguros e eficazes.