Parcerias Público-Privadas (PPPs) como Ferramenta Estratégica para a Inovação em Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs) no Brasil

O setor de saúde enfrenta desafios constantes na busca por inovações que melhorem a qualidade de vida da população. Atualmente, as políticas industriais para a indústria farmoquímica no Brasil enfrentam desafios significativos. A indústria farmacêutica brasileira já foi bastante robusta, e na década de 1980 o país produzia cerca de 55% dos insumos farmacêuticos necessários à produção nacional. Hoje esse número se reduziu para 5%[1] e necessitaria investir US$ 1 bilhão em desenvolvimento e infraestrutura para ampliar para 20% a produção nacional dentro de cinco a 10 anos[2].

Atualmente, a produção interna de Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs) é ínfima e decrescente, fazendo com que 90% das necessidades do setor sejam supridas atualmente por importações, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria Farmoquímica e de Insumos Farmacêuticos – ABIQUIFI. Estima-se que cerca de dois terços da produção de IFAs destinada à venda no mundo sejam provenientes da Ásia[3].

De acordo com o relatório da Oxfam[4], o mercado de IFA no mundo deve crescer por volta de 6,67% entre 2022 e 2028, recebendo investimento de US$ 312 bilhões. Segundo Abiquifi, estima-se que o crescimento do mercado mundial será de aproximadamente US$ 200 bilhões até 2025. Esse cenário, impulsiona os investimentos em pesquisa e o desenvolvimento (P&D) de IFAs, demonstrando o papel crucial desta etapa da cadeia produtiva para definir vantagens estratégicas e na busca por protagonismo na produção de medicamentos inovadores e patenteáveis.

A China, na última década, despontou como um importante ator na indústria farmacêutica global, passando por uma transição de um país focado na etapa de fabricação de fármacos para um centro estratégico de P&D para a criação de fármacos mais inovadores. A Índia é o maior provedor de medicamentos genéricos do mundo, ocupando cerca de 20% do mercado mundial e participando em alguma etapa da produção global de 60% das vacinas[5]. A indústria farmacêutica na Índia evoluiu para se tornar uma das principais indústrias focadas em pesquisa. Reconhecendo a importância de investir em pesquisa e desenvolvimento (P&D), as empresas indianas passaram de meras fabricantes de genéricos para desenvolvedoras de produtos patenteáveis4.

[1] A evolução recente da indústria farmacêutica brasileira nos limites da subordinação econômica. Physis, 28(01), 2018.

[2] O custo do atraso, Abiquifi.

[3] Há espaços competitivos para a indústria farmoquímica brasileira? Reflexões e propostas para políticas públicas. Mitidieri, T. L. et al. 2015, BNDES Setorial, v. 41, p. 1-36.

[4]  Nota Tecnica: Capacidade de produção de vacinas no Brasil, 2023.

[5] Brasil, China e Índia nas cadeias globais de valor da indústria farmacêutica, 2023.

Em contraste com essa realidade, o Brasil apostou na atração de empresas multinacionais estrangeiras, considerando que a produção local de farmoquímicos e medicamentos viria acompanhada pela transferência de tecnologia, o que não se concretizou. A falta de investimento em P&D é evidente, com a despesa nacional nessa área em declínio nos últimos anos[6]. Em 2017, chegou a R$ 41,2 bilhões, o menor patamar desde 2012, segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Em 2017, o investimento em P&D atingiu o menor patamar desde 2012, com R$ 41,2 bilhões. O próprio Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) teve seu orçamento significativamente reduzido em 2020.— excluindo salários e despesas obrigatórias, sobraram R$ 3,7 bilhões para investimentos, 30% a menos que em 2019, em valores reais.[7] 

Diante desse contexto, fica evidente que o Brasil precisa fortalecer sua capacidade de P&D em IFAs para superar a dependência tecnológica e ampliar o acesso a medicamentos. O investimento em pesquisa e inovação é crucial para o país alcançar uma posição estratégica no competitivo mercado farmacêutico global, garantindo o acesso da população a medicamentos essenciais e fomentando o desenvolvimento da indústria nacional.

É nesse cenário que as Parcerias Público-Privadas (PPPs) emergem como uma ferramenta estratégica para alavancar o processo de inovação de IFAs, combinando os recursos e expertises do setor público e privado em prol do avanço científico e tecnológico.

No Brasil, a relevância das PPPs para P&D de IFAs é intensificada por ações governamentais como a Nova Política Industrial e iniciativas voltadas ao Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Essas medidas visam não apenas incentivar a inovação, mas também promover a internacionalização da produção de itens estratégicos e ampliar o acesso da população a tecnologias em saúde, fortalecendo o SUS.

Desafios e Complexidade na P&D de IFAs

Além da longa duração e dos altos custos inerentes, a P&D de IFAs é marcada por desafios multifacetados. A complexidade científica e tecnológica subjacente demanda expertise em áreas como química medicinal, biologia molecular, farmacocinética e toxicologia. Ademais, o processo regulatório impõe requisitos rigorosos em termos de segurança e eficácia, prolongando o tempo e elevando os custos de desenvolvimento.

A incerteza científica intrínseca à P&D de IFAs também é um fator crucial. Durante o processo, diversas moléculas promissoras podem não atingir os desfechos clínicos esperados, seja por ausência de eficácia, eventos adversos inesperados ou desafios na produção em escala industrial. Essa elevada taxa de atrito exige que empresas e instituições de pesquisa mantenham um portfólio diversificado de projetos, o que, por sua vez, intensifica os custos e a complexidade inerentes à P&D de IFAs.

[6] Ciência à míngua. Revista Pesquisa FAPESP. Edição 304, 2021.

[7] O declínio do investimento público em ciência e tecnologia, 2019.

Experiências Internacionais de Sucesso com PPPs em P&D de IFAs

Apesar dos desafios, diversos países já implementaram PPPs com sucesso nessa área, colhendo resultados significativos. O National Institutes of Health (NIH) colabora com diversos setores para promover avanços científicos e melhorar a saúde pública. Um exemplo bem-sucedido está na parceria público-privada para acelerar a pesquisa e o desenvolvimento clínico de vacinas e tratamentos para a COVID-19 estabelecida em abril de 2020 pelo NHI, Accelerating COVID-19 Therapeutic Interventions and Vaccines (ACTIV).

Na Europa, a Innovative Medicines Initiative (IMI), uma colaboração entre a União Europeia e a indústria farmacêutica, destaca-se como uma das maiores PPPs em ciências da vida. Desde 2008, a IMI lançou quase 200 projetos, abordando uma ampla gama de doenças e desafios na pesquisa médica e desenvolvimento de medicamentos.

Outras iniciativas como a Partners In Health (PIH), que atua em diversos países fortalecendo sistemas de saúde e combatendo doenças; a GAVI, aliança público-privada que trabalha para ampliar o acesso a vacinas em países de baixa renda; e a Medicines for Malaria Venture (MMV), dedicada à pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos para malária, também são exemplos que ilustram o potencial das PPPs para impulsionar avanços na saúde, desde a pesquisa e desenvolvimento até a gestão de serviços e o acesso a tratamentos.

Aprendizados para o Brasil e Estratégias Nacionais de Longo Prazo

Ao analisar experiências internacionais bem-sucedidas, o Brasil pode identificar as melhores práticas em termos de estruturação de contratos, alocação de riscos, incentivos à inovação e transferência de tecnologia. Adaptar essas lições à realidade brasileira é fundamental para fomentar um ambiente propício à atração de investimentos, ao estímulo à pesquisa e desenvolvimento e ao fortalecimento da produção nacional de IFAs.

O cenário brasileiro atual apresenta um terreno fértil para o desenvolvimento de Parcerias Público-Privadas (PPPs) no setor de IFAs, impulsionado por ações governamentais recentes. A Nova Política Industrial, por exemplo, prevê a criação de linhas de crédito e fundos de investimento para apoiar projetos de pesquisa e desenvolvimento em setores estratégicos, incluindo a saúde. Com um horizonte de planejamento até 2030, a Estratégia Nacional de Desenvolvimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde lançada pelo Ministério da Saúde, visa fortalecer a indústria nacional de saúde e promover o desenvolvimento tecnológico, com foco na produção local de medicamentos, equipamentos e insumos.

As Portarias GM/MS nº 4.472/24 e 4.473/24, por sua vez, estabelecem as novas diretrizes para as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) e o Programa de Desenvolvimento e Inovação Local (PDIL), respectivamente. A PDP, um instrumento já consolidado no âmbito do SUS, visa fomentar a colaboração entre o setor público e o privado para o desenvolvimento e produção de produtos estratégicos para o SUS, como medicamentos, vacinas e equipamentos médico-hospitalares. As novas regras do PDP trazem maior segurança jurídica e agilidade aos processos, além de ampliar o escopo de atuação para incluir o desenvolvimento de tecnologias e processos inovadores.

O PDIL, por sua vez, é um novo programa que busca promover o desenvolvimento da produção e inovação local voltadas aos desafios em saúde, com foco na sustentabilidade e resiliência do sistema. O programa prevê a criação de redes de pesquisa e inovação, o apoio a projetos de desenvolvimento tecnológico e a capacitação de recursos humanos, incentivando a participação de pequenas e médias empresas, universidades e instituições de pesquisa.

O Caminho para a Autossuficiência

A continuidade e o fortalecimento dessas iniciativas são cruciais para que o Brasil supere os desafios atuais e se torne um líder na produção de insumos farmacêuticos. Com um ecossistema de inovação bem estruturado, o país estará mais preparado para enfrentar futuras crises de saúde e garantir o acesso da população a medicamentos de alta qualidade. A Abiquifi, com seu compromisso com o desenvolvimento tecnológico e a internacionalização, está no centro desse esforço, trabalhando para construir um futuro mais saudável e inovador para o Brasil.

O Programa de Inovação Radical (PIR) ao mapear e executar ações estruturantes no ecossistema de inovação, contribui para o fortalecimento da indústria, a redução da dependência externa e o acesso da população a tecnologias e tratamentos de ponta. Esta iniciativa busca alinhar as políticas governamentais, com o propósito de impulsionar o desenvolvimento tecnológico e a produção local de IFAs por meio do incentivo à pesquisa, à inovação e à colaboração entre os setores público e privado.

A colaboração entre universidades, instituições de pesquisa e empresas é chave para o desenvolvimento de IFAs. Para alcançar o sucesso nesse cenário, é fundamental realizar um mapeamento detalhado das competências e oportunidades do setor farmoquímico brasileiro. Uma abordagem promissora é a busca por parcerias estratégicas com empresas farmacêuticas em outros países da América Latina, visando fortalecer a cadeia produtiva regional e ampliar o acesso a novos mercados.

Além disso, é essencial direcionar esforços para atender às demandas de mercados com regulamentações rigorosas, como Europa e Estados Unidos. Essa estratégia impulsionará a inovação e a qualidade dos produtos farmoquímicos nacionais, elevando a competitividade do setor em escala global. Ao adotar essa abordagem, as farmoquímicas brasileiras poderão diversificar seu portfólio e conquistar novos mercados, consolidando sua posição no cenário internacional e contribuindo para o desenvolvimento da indústria farmacêutica nacional.

Portanto, o cenário atual apresenta uma oportunidade única para o setor farmacêutico e farmoquímico brasileiro. Com o apoio governamental, investimentos em P&D, e a busca por parcerias estratégicas, o Brasil tem o potencial de se tornar um player global na produção de IFAs e medicamentos inovadores, impulsionando o crescimento econômico, gerando empregos de alta qualidade e, principalmente, garantindo o acesso da população a medicamentos seguros e eficazes.