Avanços recentes demonstram o potencial da IA em acelerar etapas críticas da P&D farmacêutica, da triagem virtual à personalização terapêutica.
Em meio à revolução tecnológica que transforma diferentes setores, a Inteligência Artificial (IA) vem assumindo um papel de protagonismo no desenvolvimento de medicamentos — uma das áreas mais complexas e fundamentais para a saúde humana. Se antes o processo de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de novos fármacos era longo, caro e muitas vezes guiado por tentativa e erro, hoje a realidade começa a mudar com o uso de algoritmos sofisticados e modelos preditivos avançados.
Na vanguarda dessa transformação estão empresas como a Ten63 Therapeutics e a Servier, além de instituições acadêmicas como a Universidade Federal de Goiás (UFG), por meio do Centro de Excelência em Inteligência Artificial (CEIA). Essas organizações demonstram como a IA está remodelando todas as etapas da cadeia de desenvolvimento de medicamentos, desde a descoberta de moléculas promissoras até a condução de ensaios clínicos mais precisos e eficientes.
Revolucionando a jornada da inovação farmacêutica
A Ten63, startup norte-americana especializada na aplicação de IA para descoberta de medicamentos, utiliza a tecnologia desde o início da jornada. De acordo com Marcel Frenkel, CEO e cofundador brasileiro da empresa, o foco está na geração e otimização de novas moléculas.
Essa abordagem permite explorar um espaço químico praticamente infinito. A IA também acelera cálculos baseados em química quântica, aumentando a precisão na previsão de interações moleculares e das propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas dos compostos. Mas Frenkel destaca que a supervisão humana continua essencial:
“IA não é infalível: sem a supervisão de especialistas, ela pode gerar previsões enganosas. Por isso, é importante mantermos cientistas no centro do processo decisório, usando IA como ferramenta de apoio e aceleração, não como substituto da expertise humana.”
Acelerar ensaios clínicos e encurtar o tempo até o paciente
Também com foco na inovação, a Servier, grupo farmacêutico internacional, vem investindo na integração da IA aos seus processos de P&D. Para Sandro Albuquerque, Diretor de Patient Access & Public Affairs da empresa no Brasil, a tecnologia já é parte central da estratégia:
“A IA se tornou um importante vetor para o processo de inovação, contribuindo tanto para a aceleração do desenvolvimento de novas moléculas quanto para a otimização tanto no desenho quanto na análise de resultados dos ensaios clínicos.”
Com milhões de moléculas potenciais a serem avaliadas, a IA se mostra fundamental:
“Temos hoje cerca de 111 milhões de substâncias químicas catalogadas em bases como o PubChem. Uma pequena fração, quando analisado, por análise combinatória no desenho de moléculas. São cerca de 10 mil decilhões de potenciais moléculas bioativas. E é aqui que a IA se destaca, pela capacidade de volume, velocidade e qualidade do processamento e análise de dados. (…) Estamos apenas nos primeiros dias desse novo alvorecer da IA”
Pesquisa aplicada na universidade
No Brasil, o CEIA da UFG tem demonstrado o impacto positivo da IA no desenvolvimento de medicamentos. Segundo o professor Arlindo Galvão, a tecnologia é aplicada em diversas frentes:
“A IA tem sido utilizada para a descoberta de novos compostos bioativos (hits) e para a otimização de protótipos, acelerando e aumentando a eficácia e eficiência dos processos. Além disso, a aplicação de modelos preditivos para a avaliação de toxicidade de fármacos e cosméticos é uma área de destaque, permitindo a antecipação de efeitos adversos e contribuindo para a segurança dos produtos desenvolvidos. ”
O CEIA trabalha com diferentes estratégias computacionais, que incluem triagem virtual, modelagem molecular e simulações.
Segundo Galvão, a aplicação da IA abrange etapas como a triagem virtual de grandes bibliotecas de moléculas, otimização de hits em leads com modelagem molecular e simulações computacionais, além do desenvolvimento de modelos QSAR/QSPR para prever propriedades farmacocinéticas, eficácia e toxicidade. A IA também começa a ser incorporada às fases clínicas, possibilitando avanços na personalização de tratamentos.
Colaboração entre setores impulsiona o impacto da IA
Um ponto em comum entre os especialistas é a importância da colaboração para que o potencial da IA se concretize. Para Marcel Frenkel, a sinergia entre startups, farmacêuticas, academia e big techs é essencial para transformar a capacidade disruptiva da IA em soluções reais. Sandro Albuquerque complementa essa visão, comparando o momento atual ao início do Projeto Genoma Humano, como uma curva exponencial de aprendizado. Já Arlindo Galvão reforça a importância da tríplice hélice (universidade, empresas e governo):
“Soluções inovadoras geradas na academia só se tornam sustentáveis e disponíveis para a sociedade em novos negócios com startups e grandes indústrias. Essa sinergia em conjunto do bom uso da IA é fundamental para enfrentar desafios complexos e acelerar a descoberta de medicamentos.”
Casos concretos já mostram o avanço dessa integração. A Servier, por exemplo, mantém parcerias com Google Cloud, Owkin e Aitia, aplicando IA em modelos como os gêmeos digitais — simulações virtuais capazes de prever o impacto de medicamentos antes dos testes clínicos. Em outra frente, a empresa colabora com a startup Elfie para o engajamento de pacientes crônicos com tecnologias de coaching digital.
Na UFG, destaca-se o projeto COVID-IA, que acelerou a descoberta de fármacos contra a COVID-19 em parceria com instituições do Brasil, África do Sul e Rússia. O centro também atua em doenças negligenciadas como Malária, Tuberculose, Leishmaniose e Esquistossomose, além de iniciativas de reposicionamento de fármacos para viroses emergentes.
Já na Ten63, a inovação acontece em ciclos contínuos de “prever → testar → aprender”, em que dados de ensaios bioquímicos e simulações são continuamente integrados para refinar os modelos de IA — aumentando as chances de sucesso e reduzindo custos.
Mais do que uma ferramenta, a Inteligência Artificial está se tornando catalisadora de um novo paradigma no setor farmacêutico. Ao unir velocidade, precisão e capacidade analítica sem precedentes, ela abre caminho para terapias mais personalizadas, eficazes e acessíveis. Ainda há desafios éticos, regulatórios e técnicos no horizonte, mas as experiências da Ten63, Servier e CEIA/UFG mostram que já é possível vislumbrar um futuro em que a descoberta de medicamentos não será mais limitada pela capacidade humana de processamento, mas ampliada pela inteligência algorítmica — com a sensibilidade e o julgamento insubstituíveis dos cientistas.
“Estamos apenas nos primeiros dias desse novo alvorecer da IA”. Sandro Albuquerque, Servier
“O potencial gerador de inovação em saúde a partir da análise de dados e simulações por IA é transformador.” Sandro Albuquerque, Servier
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Este artigo faz parte da 9° edição da revista bioBr, uma publicação realizada anualmente pela Abiquifi em parceria com a ApexBrasil por meio do projeto Brazilian Pharma & Health. Para conferir a revista completa, acesse: https://issuu.com/abiquifi/docs/biobr_9th_edition

Por bioBR
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