A saúde animal vem ganhando destaque nas discussões sobre o futuro do agronegócio no Brasil. Além de suas ligações diretas com a produtividade e a qualidade dos alimentos, também impacta áreas-chave como o bem-estar animal, a sustentabilidade e o acesso a mercados. Assim, torna-se cada vez mais evidente a necessidade de maior alinhamento entre ciência, mercado privado e políticas públicas. Para entender melhor como essas frentes estão interagindo, conversamos com Luciano Paulino da Silva, pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen); Rodrigo Secioso, superintendente na Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP); Marcelo de Andrade Mota, diretor do Departamento de Saúde Animal; e Carlos Goulart, secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura e Pecuária.
Luciano Paulino da Silva destaca o papel da nanotecnologia verde como aliada da sustentabilidade na saúde animal. Segundo o pesquisador do Cenargen, a síntese verde de nanopartículas — especialmente de prata (AgNPs) e outros metais — vem sendo desenvolvida a partir de extratos vegetais do bioma Cerrado e de resíduos agroindustriais. Essas nanopartículas mostram aplicações antimicrobianas promissoras em ambientes como fazendas e até mesmo potencial uso em casos de sepse animal, já que testes in vivo em modelos murinos indicaram ausência de toxicidade.
“Essas rotas de produção estão alinhadas aos princípios da química verde e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), ao mesmo tempo que reduzem impactos ambientais e se mostram economicamente viáveis quando considerada a escalabilidade industrial”, explica.
Paulino também enfatiza a importância estratégica da inovação no país:
“A relevância de um ecossistema de inovação bem conectado para a saúde animal está na capacidade de integrar conhecimento, recursos (humanos, financeiros, tecnológicos) e uma variedade de atores, acelerando o desenvolvimento de soluções que equilibrem produtividade, sustentabilidade e bem-estar animal. Tal ecossistema não apenas impulsiona avanços tecnológicos, mas também fortalece a resiliência do setor pecuário e a segurança alimentar global.”
Rodrigo Secioso reforça a importância das parcerias para impulsionar a inovação na saúde animal. Para ele, embora a necessidade de coordenação varie de acordo com o tipo de projeto e o grau de disrupção tecnológica, iniciativas mais inovadoras geralmente exigem maior colaboração entre os atores envolvidos.
“Normalmente, as empresas têm mais capacidade de inovar e levar tecnologias ao mercado, enquanto as universidades detêm o conhecimento científico. Essa parceria cria sinergia para promover um ambiente favorável à inovação”, afirma.
Secioso também destaca o papel estratégico das startups nesse ecossistema, atuando como ponte entre a ciência e a aplicação comercial. Nesse contexto, a Embrapa é reconhecida como protagonista na pesquisa em tecnologia agropecuária, com forte presença em projetos de biotecnologia e saúde animal.
Em meio a essa onda de transformação, o Programa de Inovação Radical (PIR), liderado pela Abiquifi, se destaca como um dos principais impulsionadores do desenvolvimento tecnológico na saúde animal. Focado em estimular a colaboração entre startups, empresas, instituições de pesquisa e investidores, o PIR promove iniciativas disruptivas que expandem as fronteiras científicas e tecnológicas no Brasil. Ao apoiar pesquisas avançadas, atrair investimentos e facilitar a interação regulatória, o programa potencializa o desenvolvimento de novos produtos e processos — como vacinas, fármacos inovadores e biotecnologias sustentáveis —, fortalecendo o ecossistema de inovação. Assim, a Abiquifi exerce um papel estratégico para reforçar a competitividade do Brasil diante dos desafios globais relacionados ao bem-estar animal, à sustentabilidade e à segurança alimentar.
Inovações Agrícolas: Redefinindo Saúde e Sustentabilidade
A relação entre saúde animal, sustentabilidade e bem-estar é cada vez mais evidente e estratégica no setor agropecuário. Segundo Luciano Paulino da Silva, práticas de manejo adequadas, prevenção de doenças e uso racional de recursos impactam diretamente a produtividade e a conservação ambiental. Nesse contexto, tecnologias como vacinas lipossomais, sistemas de liberação controlada de medicamentos e bioimpressão 3D ajudam a reduzir o uso de produtos químicos, aumentar o bem-estar animal e preservar a biodiversidade.
Inovações como a biofabricação de órgãos miméticos e a criopreservação de gametas fortalecem a resiliência dos rebanhos frente às mudanças climáticas e a doenças emergentes, enquanto sensores e diagnósticos rápidos permitem respostas ágeis e sustentáveis no manejo sanitário.
Essa interdependência entre saúde e bem-estar animal também é enfatizada por Marcelo de Andrade Mota e Carlos Goulart, do MAPA:
“Estudos das últimas décadas mostram forte associação entre altos padrões sanitários e indicadores de bem-estar animal, demonstrando que um não existe sem o outro.”
Eles também ressaltam que infraestrutura adequada, manejo eficiente e medidas sanitárias bem aplicadas resultam em animais mais saudáveis, menor dependência de medicamentos e maior produtividade — todos elementos-chave para sistemas sustentáveis de longo prazo.
Além disso, apontam a necessidade de adaptar os marcos regulatórios ao ritmo das inovações tecnológicas:
“O Ministério está continuamente elaborando e atualizando regulamentos para medicamentos veterinários e vacinas. Um dos principais objetivos desse esforço é acolher novas tecnologias, garantindo que os processos de registro de produtos sejam seguros e racionais.”
Rodrigo Secioso acrescenta que inovações na nutrição animal, especialmente as voltadas à redução de emissões de metano, têm ganhado destaque como ferramentas de mitigação ambiental, particularmente no Brasil, onde o rebanho bovino é expressivo. Ele também cita a importância de tecnologias para economia de água, soluções de reaproveitamento de resíduos para bioenergia, desenvolvimento de Ingredientes Farmacêuticos Ativos (IFAs), produtos biológicos inovadores e melhoramento genético.
Segundo ele, quando respaldadas por parcerias entre empresas, universidades e centros de pesquisa, essas inovações aceleram a aplicação prática da ciência, conectando sustentabilidade, saúde animal e tecnologia de forma sistêmica e eficiente.
A FINEP desempenha papel catalisador na promoção da inovação em saúde animal. Secioso aponta que a instituição apoia o setor por diferentes vias, como fundos de investimento, subvenções diretas e mecanismos de crédito.
“Atualmente, há 37 projetos em andamento — 17 financiados por crédito direto às empresas e 20 por subvenções —, totalizando cerca de US$ 265 milhões destinados ao desenvolvimento de novas tecnologias. Apenas em 2024, foram firmados nove novos contratos, somando aproximadamente US$ 90,8 milhões em investimentos. Esse volume de recursos reflete não apenas o potencial do setor, mas também a urgência de modernizá-lo frente aos desafios atuais de saúde, meio ambiente e produção”, explica.
Luciano Paulino da Silva conclui reforçando que a saúde animal é um pilar estratégico do agronegócio brasileiro, diretamente ligada à segurança alimentar global e à competitividade do país nos mercados internacionais. Ele cita iniciativas inovadoras do Laboratório de Nanobiotecnologia da Embrapa como exemplos claros de como ciência e tecnologia podem atuar juntas para um setor mais sustentável. Além das pesquisas com nanopartículas, o laboratório avança em projetos disruptivos como carne cultivada e análogos vegetais de peixe, utilizando tecnologias como bioimpressão 3D e matérias-primas de origem vegetal.
“Essas tecnologias não apenas reduzem os impactos ambientais da produção convencional, mas também oferecem alternativas alimentares seguras e nutritivas, alinhadas às tendências globais de consumo e sustentabilidade”, finaliza.
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A 9ª edição da bioBr destaca como tecnologias emergentes — da impressão 3D à nanotecnologia verde e vacinas lipossomais — estão revolucionando a saúde animal, unindo produtividade, sustentabilidade e cuidado com o bem-estar. O artigo destaca a importância de iniciativas como o Programa de Inovação Radical (PIR) da Abiquifi na conexão entre ciência, mercado e políticas públicas para acelerar soluções inovadoras no agronegócio. Exemplos incluem pesquisas da Embrapa e avanços regulatórios do MAPA que facilitam a adoção de novas biotecnologias. Com abordagem integrada e foco em inovação sustentável, o setor brasileiro de saúde animal se posiciona como protagonista na segurança alimentar global e na liderança em tecnologias de impacto. A bioBr é uma publicação da Abiquifi, em parceria com a ApexBrasil e curadoria da Biominas Brasil, reunindo tendências e avanços de ponta em saúde e biotecnologia.
