Apesar de ser um dos países mais biodiversos do mundo, o Brasil ainda enfrenta entraves para transformar esse patrimônio natural em inovação com impacto global.
Nos últimos anos, o Brasil tem dado passos importantes rumo à liderança no uso sustentável da biodiversidade. Avanços regulatórios, iniciativas empreendedoras e a consolidação de uma infraestrutura científica de excelência demonstram que o país está construindo as bases de um ecossistema promissor, capaz de transformar sua riqueza biológica em soluções inovadoras com impacto global.
O Brasil é um país megadiverso, com uma potência biológica e cultural sem paralelos. Essa biodiversidade não é apenas um tesouro ecológico, mas um ativo estratégico para o desenvolvimento científico, econômico e social. O caminho ainda exige superação de desafios, mas os sinais de mudança são cada vez mais visíveis — com projetos que unem ciência, negócios e responsabilidade socioambiental.
Nesse contexto, acordos internacionais como o Protocolo de Nagoya ganham relevância ao proporem uma lógica mais justa e sustentável de acesso aos recursos genéticos e ao conhecimento tradicional associado. Peter Andersen, CEO do Grupo Centroflora, defende que o país precisa criar um ambiente mais fértil para startups e empresas de base científica que atuam com insumos da biodiversidade.
Para ele, o Brasil possui uma vantagem competitiva natural, mas ainda não conseguiu desenvolver um ecossistema robusto que conecte ciência, negócios e sustentabilidade. “O Brasil possui 25% da biodiversidade do planeta, mas o país ainda faz pouco para transformar esta biodiversidade em um ativo estratégico. Por isso, devemos estimular soluções junto a todos os stakeholders envolvidos nesse processo, para que as coisas mudem.” afirma Andersen.
Essa percepção dialoga com a experiência da equipe da Nintx, startup brasileira voltada à identificação de novos bioativos com aplicação farmacêutica e nutracêutica. Entretanto, apesar de Stephani Saverio, Cristiano Guimarães e Miller Nunes de Freitas reconhecerem a complexidade de nosso ecossistema, a Nintx possui know-how e track record para mudar esse cenário. A empresa respeita o conhecimento tradicional e os recursos genéticos do Brasil e acredita que a melhor maneira de gerar, capturar e repartir valor a partir deles é por meio de ciência de ponta, desenvolvendo projetos com atratividade global. Na visão da Nintx, a lei da Biodiversidade de 2015 já representou um avanço importante na organização do tema que os atores relevantes no Brasil podem continuar apoiando o avanço do arcabouço legal e regulatório ao gerar um ciclo virtuoso de investimento e compartilhamento de benefícios com a sociedade ao trabalhar para viabilizar mais projetos inovadores e de alcance global. Stephani Saverio ainda destaca que, independentemente da lei, sempre que a Nintx estiver envolvida na pesquisa e desenvolvimento de um novo bioativo, farmacêutico ou nutracêutico, a empresa buscará formas de repartir benefícios com o meio-ambiente e a sociedade.
A partir da perspectiva das organizações que atuam no fortalecimento do ecossistema de inovação, Isabela Allende, Gerente de Operações e Parcerias da Biominas Brasil, destaca os entraves que ainda existem entre a legislação e a realidade enfrentada pelas startups e empreendedores que trabalham com ativos naturais e biodiversidade no Brasil. “Podemos dividir os entraves em duas categorias: primeiro relacionada ao conhecimento, tanto de desenvolvimento de produto quanto de criação de negócios. (…) O segundo desafio é relacionado a viabilidade financeira, muitos potenciais produtos excelentes morrem por não conseguirem recursos para o desenvolvimento correto, possuem dificuldades em comprovar a escalabilidade e viabilidade de produção.”, afirma.
Ainda assim, há um movimento crescente de apoio e estruturação do ecossistema. Para a Gerente de Operações e Parcerias, é fundamental que as startups tenham apoio. “A Biominas tem criado espaços virtuais e físicos para gerar conexões entre projetos e startups que utilizam a biodiversidade como ativo e inspiração para seus produtos e serviços. Um exemplo disso é o evento InovafitoBrasil Summit, que conecta atores nacionais e internacionais com foco em gerar cooperações de pesquisa e também de desenvolvimento.”, destaca.
Para Norberto Prestes, Presidente Executivo da Abiquifi, os desafios ainda são grandes, apesar dos avanços: “A gente tem estrutura para desenvolvimento, nós temos conhecimento, mas nós temos ainda que romper algumas barreiras relacionadas à regulação, relacionadas à lei de acesso à biodiversidade. Apesar de ter melhorado o processo, acho que ainda faltam ajustes para encorajar o investidor, as farmacêuticas a investirem nesse processo”.
Ele também ressalta o potencial de aceleração da pesquisa e desenvolvimento por meio de ativos como o CNPEM: “Nós avançamos muito, não podemos desconsiderar o CNPEM, que construiu e opera o acelerador de elétrons Sirius, que é uma ferramenta que poucos países possuem”.
Ciência e Infraestrutura científica a favor da biodiversidade e da bioeconomia sustentável
Do lado da ciência, Daniela Trivella, Head de Drug Discovery no LNBio-CNPEM, Maria Augusta Arruda, Director, LNBio-CNPEM e Antônio José Roque da Silva, General Director, CNPEM defendem que o Brasil está em um momento decisivo para consolidar seu protagonismo no uso responsável da biodiversidade. Segundo eles, o país tem uma biodiversidade inigualável, infraestrutura científica avançada e talentos qualificados, mas ainda enfrenta gargalos em investimento e escala de execução de projetos aplicados.
Os pesquisadores também reforçam que a repartição de benefícios deve ser entendida como parte do processo científico, e não apenas como uma obrigação jurídica. “Temos que melhorar mecanismos de repartição de benefícios, o que pode ser feito com melhor rastreabilidade do fluxo de informação e mapeamento das contribuições. Grandes melhorias foram realizadas a partir da Lei de Acesso ao Patrimônio Genético de 2015”, porém ainda existem desafios legais a serem vencidos para a comercialização e repartição de benefícios.
Segurança jurídica e construção de confiança
A necessidade de simplificação e de construção de confiança entre os diferentes elos da cadeia também é levantada por Anita Pissolito, da Nascimento Mourão. Para ela, o marco legal brasileiro, embora baseado em princípios corretos, ainda carece de instrumentos práticos que facilitem sua implementação. “O fato de o artigo 10 do Protocolo de Nagoya ainda não ter sido regulamentado gera insegurança jurídica, já que em muitas situações os recursos genéticos são transfronteiriços, o que não permite a rastreabilidade e por consequência impede a relação bilateral para o atendimento às regras do Protocolo. Além disso, o fato de cada Estado ser soberano sobre seus recursos genéticos permite que cada um crie sua própria legislação, com regras díspares, o que exige do usuário de biodiversidade o acompanhamento e monitoramento da legislação de cada país de origem do recurso genético utilizado.”, explica.
A especialista defende uma abordagem mais colaborativa entre comunidades tradicionais, instituições de pesquisa, setor produtivo e Estado, além da necessidade de o país assumir uma postura mais ativa na agenda internacional.
Já do ponto de vista da indústria, Giuliano Rodrigo Barissa, Diretor de Novos Negócios e Inovação da Biolab Farmacêutica, traz uma visão pragmática sobre as oportunidades e desafios enfrentados por empresas que investem em ativos naturais. Segundo ele, a Biolab tem histórico em P&D baseado em insumos da biodiversidade e há uma importância de segurança jurídica e clareza nos processos de autorização. “O processo de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de novos fármacos é longo e oneroso, podendo levar anos até sua conclusão. Para assegurar a segurança e a eficácia dos medicamentos, são necessários estudos clínicos rigorosos e evidências científicas robustas que sustentem seu registro regulatório. Todas essas etapas demandam investimentos substanciais, o que representa um desafio especialmente para a indústria farmacêutica nacional.”, afirma.
Ele também aponta a necessidade de diálogo constante com as comunidades e com os órgãos reguladores, para que o desenvolvimento tecnológico seja feito com responsabilidade e legitimidade.
Biodiversidade e inovação: as bases do protagonismo brasileiro
A partir dessas diferentes perspectivas, fica claro que o Brasil reúne todos os elementos necessários para transformar sua biodiversidade em vetor de desenvolvimento sustentável: conhecimento científico, capacidade empreendedora, diversidade cultural e riqueza biológica. As bases já estão sendo construídas, com avanços regulatórios, investimentos em infraestrutura de pesquisa e iniciativas inovadoras que respeitam a sociobiodiversidade.
O sucesso dessa transformação depende agora de um esforço contínuo para fortalecer o ambiente regulatório, estimular a colaboração entre os diferentes atores e apoiar o desenvolvimento de soluções que unam ciência, negócios e responsabilidade socioambiental. Com as alianças certas e um olhar estratégico para a inovação, o Brasil tem todas as condições de se tornar um protagonista global no uso sustentável da biodiversidade.
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Este artigo faz parte da 9° edição da revista bioBr, uma publicação realizada anualmente pela Abiquifi em parceria com a ApexBrasil por meio do projeto Brazilian Pharma & Health. Para conferir a revista completa, acesse: https://issuu.com/abiquifi/docs/biobr_9th_edition
