Infraestrutura consolidada, diversidade populacional e avanços regulatórios posicionam o país como protagonista regional em ensaios clínicos.
Nos últimos anos, o Brasil tem se consolidado como a principal liderança em pesquisa clínica na América Latina. Atualmente, o país é responsável por cerca de 40% dos estudos realizados na região — o dobro de países como México e Argentina, que ocupam, respectivamente, o segundo e terceiro lugar, com cerca de 20% cada. Esse protagonismo não é recente: o país possui um histórico expressivo na condução de pesquisas clínicas desde a década de 1980, com participações relevantes no desenvolvimento de tratamentos para HIV, megatrials nas áreas de diabetes e doenças cardiovasculares, além de ampla expertise acumulada por seus centros de pesquisa e investigadores. Essas são as informações que Fernando Francisco, Gerente Executivo da Associação Brasileira das Organizações Representativas de Pesquisa Clínica (Abracro), traz para o início dessa discussão.
Segundo Arthur Nigri, Chief Business Officer da Intrials, o Brasil se destaca em pesquisa clínica por contar com um ecossistema em constante evolução, que reúne expertise científica, avanços tecnológicos e um compromisso crescente com a inovação. Ele aponta que o país tem ampliado suas capacidades de pesquisa para além dos grandes centros urbanos, garantindo acesso a uma base de pacientes mais ampla e diversa. Além disso, destaca a relação custo-efetividade, a diversidade étnica, a rapidez no recrutamento de participantes e a presença de centros e pesquisadores reconhecidos internacionalmente como fatores que reforçam o posicionamento estratégico do Brasil em estudos clínicos globais.
Essa diversidade populacional é também um dos pontos ressaltados por Marina Domenech, fundadora e CEO da SAIL for Health, como uma das grandes fortalezas do país. Segundo ela, o Brasil possui uma combinação rara de diversidade genética, características metabólicas distintas e condições sociais e ambientais variadas, o que o torna especialmente valioso para o desenvolvimento de terapias mais personalizadas e representativas de realidades globais. “A ampla variação de perfis metabólicos tornam os estudos clínicos conduzidos aqui altamente representativos para múltiplas populações ao redor do mundo, o que aumenta a relevância e a aplicabilidade dos resultados em mercados internacionais”, destaca.
Fernando também reforça essa visão ao destacar que o Brasil é hoje considerado um player essencial na estratégia global de pesquisa clínica por diversos patrocinadores internacionais. Segundo ele, o Brasil é o maior país da América Latina, com um sistema público de saúde amplo, com acesso universal, e uma cadeia de serviços e pesquisa bastante estruturada. “Podemos destacar também que temos no Brasil uma infraestrutura de saúde muito forte. O país já está desenvolvido — isso de maneira geral — o que é importante para quando você vai fazer a pesquisa clínica: que você tenha uma infraestrutura forte.”, reforça.
A Diretora Médica do Instituto Butantan, Fernanda Boulos, destaca que o Brasil ocupa uma posição de protagonismo na liderança de pesquisas clínicas na América Latina, sobretudo no desenvolvimento de vacinas e biofármacos. O país conta com centros de excelência como o Butantan e a Fiocruz, ambos reconhecidos pela OMS entre os principais fabricantes mundiais. A infraestrutura científica e tecnológica do Instituto, aliada a parcerias estratégicas com centros de pesquisa e entidades como a OMS, NIH e parceiros do mercado privado, permite conduzir ensaios clínicos em padrões internacionais. “Enxergamos o Brasil como um protagonista estratégico na liderança de pesquisas clínicas na América Latina, especialmente no que se refere ao desenvolvimento de vacinas e biofármacos”, afirma. Fernanda também ressalta que a diversidade populacional e o SUS são fatores que tornam o país ideal para estudos clínicos de grande escala. Para ela, essa liderança fortalece a autonomia nacional, promove o acesso equitativo à saúde e inspira outros países da região a ampliarem suas capacidades científicas.
Avanços regulatórios e ambiente internacional
A maturidade regulatória brasileira também tem evoluído. Para Alejandro Arancibia, Diretor Médico da Amgen Brasil, a implementação da Lei de Pesquisa Clínica nº 14.874 trouxe maior segurança jurídica, prazos mais eficientes e incentivos à expansão dos ensaios clínicos. Ele também destaca a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 945/2024, que permite a antecipação da importação de medicamentos experimentais e o reconhecimento de avaliações de agências internacionais, otimizando os processos, desde que armazenados adequadamente até a aprovação oficial da ANVISA.
Esses avanços reforçam a imagem do Brasil como um ambiente confiável e alinhado aos padrões internacionais. Arthur Nigri acredita que essas atualizações devem melhorar os prazos de aprovação e a conformidade regulatória, fortalecendo a competitividade do país. No entanto, ele ressalta a importância de continuar avançando, especialmente na redução dos prazos e no incentivo às parcerias público-privadas.
Além da infraestrutura e da evolução regulatória, a pesquisa clínica no Brasil também é fortalecida pela capacidade da Fiocruz de integrar pesquisa e produção. Mauricio Zuma, Diretor de Bio-Manguinhos da Fiocruz, afirma que “A pesquisa clínica é um dos pilares essenciais da estratégia da Fiocruz para promover o acesso a soluções de saúde seguras, eficazes e adaptadas às necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS).” Esse enfoque integrado permite que a Fiocruz contribua diretamente para o desenvolvimento de vacinas e medicamentos, garantindo não apenas a qualidade científica, mas também a relevância social e o impacto positivo para a saúde pública no Brasil e na América Latina.
Brasil como mercado estratégico para a indústria global
A Amgen considera que o Brasil ocupa uma posição estratégica na condução de pesquisas clínicas na América Latina. Para Alejandro Arancibia, isso se deve a uma série de fatores que vão desde a diversidade genética e o tamanho populacional até a excelência científica e a capacidade operacional.
Segundo o Diretor Médico da Amgen Brasil, com mais de 200 milhões de habitantes e uma população altamente miscigenada, o país oferece dados representativos da população global. Além disso, o país conta com centros de pesquisa qualificados, que reforçam o nosso posicionamento estratégico. Em termos de impacto direto, em 2024, a Amgen ampliou significativamente seus investimentos em pesquisa clínica no Brasil, com foco principal nas áreas de oncologia, inflamação e cardiovascular. O país também tem demonstrado forte desempenho em diversidade no recrutamento de participantes: em um estudo cardiovascular iniciado em 2023, 42% dos participantes brasileiros eram não-brancos, em contraste com 17,5% globalmente.”, ressalta.
O Brasil tem se destacado tanto no setor privado quanto público em termos de pesquisa clínica. Enquanto a Amgen aponta o país como um mercado estratégico para a indústria global, Cristiano Gonçalves, Diretor Técnico de Inovação do Butantan, identifica desafios específicos para o setor público brasileiro. Segundo ele, “as barreiras principais para inovação em produtos biológicos estão justamente nas etapas que antecedem a fase clínica: a geração de material em boas práticas, estrutura e cadeia completa para desenvolver produtos biológicos seguindo os guias regulatórios não clínicos e os aspectos de qualidade”, afirma. Ele também destaca a importância do Programa de Desenvolvimento e Inovação Local (PDIL) como uma oportunidade para fortalecer a capacidade de inovação e desenvolvimento clínico no país, bem como iniciativas da FINEP e BNDES com foco na sustentação da cadeia e infra necessária para alavancar os projetos.
Marina Domenech complementa que os desafios regulatórios enfrentados por startups no Brasil vão além da burocracia e refletem uma desconexão estrutural entre ciência, mercado e indústria. “O que muitas empresas subestimam não é apenas a complexidade dos trâmites regulatórios, mas a falta de uma abordagem translacional – a capacidade de transformar descobertas científicas em produtos viáveis, escaláveis e sustentáveis no mercado”, afirma.
O papel do Brasil como líder e integrador
O fortalecimento da Anvisa, a modernização do marco legal e a capacidade científica acumulada posicionam o Brasil não apenas como um polo relevante de pesquisa clínica, mas também como um integrador regional. A liderança brasileira pode — e deve — ser exercida de forma colaborativa, aproveitando a expertise nacional para apoiar o desenvolvimento de um ecossistema latino-americano mais articulado, inovador e competitivo.
Paulo Fernandes, da Azidus, destaca que o Brasil reúne uma combinação estratégica de fatores: capacidade científica consolidada, diversidade populacional e uma estrutura regulatória em evolução. Segundo ele, o país conta com centros experientes em estudos de alta complexidade, profissionais altamente qualificados e uma formação médica que integra os desafios e méritos do Sistema Único de Saúde (SUS), o que contribui para a formação de pesquisadores alinhados às necessidades reais da população. Além disso, Fernandes ressalta que a representatividade étnica da população brasileira, atende aos mandatos de diversidade de agências como a FDA e a EMA.
Com a nova Lei de Pesquisa Clínica, Paulo avalia que o Brasil começa a consolidar um marco mais competitivo, reduzindo barreiras históricas relacionadas a prazos e previsibilidade regulatória. Para ele, esse avanço trará “a consistência que empreendedores, governos e indústrias precisam para lançar empresas, produtos, promover políticas públicas e, finalmente, fomentar investimentos”.
O fortalecimento da colaboração internacional e a integração das capacidades locais com as demandas globais são fundamentais para garantir que o Brasil continue se destacando no cenário da pesquisa clínica. Como ressalta Mauricio Zuma, “A Fiocruz tem atuado de maneira estratégica para fortalecer a capacidade de pesquisa clínica não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina, por meio de colaborações com instituições internacionais, redes científicas regionais e organismos multilaterais.” Essa colaboração amplia o impacto dos estudos realizados no Brasil e reforça seu papel como líder regional e global, especialmente em áreas críticas de saúde pública e inovação científica.
